EDIÇÃO ESPECIAL DO CANTINHO: CONVERSANDO COM O ESCRITOR JOÃO CARLOS PECCI







 EDIÇÃO ESPECIAL DO CANTINHO:

CONVERSANDO COM O ESCRITOR JOÃO CARLOS PECCI




Essa é a primeira entrevista do ano do Cantinho!!!!!!!!

Eu comecei meu blog, no ano passado, com uma entrevista muito especial, concedida pelo compositor Toquinho.

Então, podem imaginar como estou muito feliz, por esse ano, repetir a dose. Vou iniciá-lo com outra entrevista muito especial, concedida pelo escritor João Carlos Pecci, ninguém menos do que o irmão do Toquinho e um exemplo de vida a ser seguido por todos nós.

Para quem não conhece ainda seu livro: “Minha Profissão é Andar” confira a resenha aqui.

João é o protagonista de uma linda história de amor com a vida!!! Ela lhe pregou uma peça, queria testá-lo, mas ele foi mais forte, determinado. E hoje nos dá a honra de falar sobre suas experiências, sobre sua luta e sobre suas conquistas. 

“ A transformação é a busca do que se perdeu. Mas o que se pensa que se perdeu pode ter sido apenas emprestado à vida. Talvez um dia ela nos devolva o que nos tomou - e um pouco mais até.” (João Carlos Pecci)

O Cantinho traz hoje, com muita emoção, um pouquinho mais da vida do querido escritor João Carlos Pecci:

Nascido em 17 de março de 1942, em São Paulo. Aos 23 anos, completou o curso de Ciências Econômicas da PUC e, com 26 anos, chegava até o 5º ano de Direito da USP. Então, um acidente de automóvel na via Dutra, em 1968, o tornou paraplégico. A partir daí, a paralisia física despertou em João Carlos valores muito mais sensíveis. Aprofundou-se, como autodidata, pelos caminhos da pintura. Evoluiu como artista. Com várias exposições individuais e coletivas, faz da pintura um trabalho, uma brincadeira vibrante e gostosa, uma necessidade cotidiana, um amor a mais em sua vida.
Em 1985 casou-se com Márcia. Essa união ficou ainda mais consolidada com o nascimento de Marina, em 1996, fruto de uma gravidez conseguida por meio de uma auto-inseminação, fato inédito, até então, no Brasil, em sendo, o homem, um paraplégico. No mundo, são poucos os homens que, sendo portadores de uma lesão medular, conseguem gerar um filho por meio da auto-inseminação. Toda essa trama de amor foi relatada no livro Velejando a Vida (Editora Saraiva – 1998), no qual João Carlos conta com emoção sua trajetória em busca da paternidade.

NÃO RESISTI!!!!!!

Vocês não ficaram curiosos em conhecer o trabalho do João? Então, eu trouxe um pouquinho das telas dele para vocês!!!!!!

Renascimento

Inesperado da Esperança


SURPRESA!!!!!

Quem leu minha resenha do livro: “Minha Profissão é Andar”, deve lembrar que eu adorei um personagem específico: Joca!!!!!! É claro que eu não perdi a oportunidade de perguntar sobre ele. Então, o autor me surpreendeu com uma revelação!!!!
Mas é claro que eu não vou contar, vocês terão que ler a entrevista para descobrir!!!!!


SEUS LIVROS:
Além da pintura, possui outro amor: a literatura!!!

Minha Profissão é Andar:
Seu primeiro livro, Minha Profissão é Andar, (Summus Editorial), de 1980, soma hoje 32 edições e foi o precursor, no Brasil, da literatura produzida por deficientes físicos ou pessoas a eles ligadas.

Sinopse:
Um rapaz, aos 26 anos, sofre um acidente de automóvel e fica paraplégico para o resto da vida, até onde a medicina pode afirmar. Este livro mostra que um desastre pode ser um desafio; é o relato pungente, dramático e até bem-humorado da reconquista do movimento, das alegrias da vida e de novos horizontes. Contém um depoimento transformador e positivo, ressaltando a manutenção do entusiasmo para o trabalho, para o lazer e para o amor, apesar de uma cadeira de rodas. “A transformação é a busca do que se perdeu. Mas o que se pensa que se perdeu pode ter sido apenas emprestado à vida. Um dia ela nos devolve, o que perdemos e até um pouco mais”. “A disciplina é o caminho mais curto entre a perda e a reconquista”. São trechos desse livro, que, adotado em escolas e faculdades, ofereceu a João Carlos a oportunidade de falar para milhares de estudantes em palestras que, por sua transparência e objetividade, induziram muitos jovens a optar pelos cursos de Fisioterapia.

Outros livros se seguiram:

Velejando a Vida:



Sinopse:
Para muitas pessoas, a paraplegia fecha as portas à vida. No caso de João Carlos Pecci aconteceu o contrário: abriu as portas que fizeram crescer seu lado humano e sensível. Persistente e determinado, sempre procurou ultrapassar os limites que a paraplegia impõe. E conseguiu vencer um dos maiores obstáculos, realizando seu grande sonho: ser pai. No mundo são poucos os homens que, sendo portadores de lesão medular, conseguem gerar um filho por meio da auto-inseminação. Pecci é um desses homens. "Velajando a Vida" é a comprovação de que a deficiência física se dilui na magnitude do comum, na liberdade do exercício da vida, na vontade de vencer.

Existência:
Existência (1984 – Summus Editorial), uma seqüência de crônicas e poesias.


O Ramo de Hortências:
O Ramo de Hortências (1987). Romance abordando os opostos inevitáveis: as limitações e as grandiosidades humanas.


Sem Ponto Final:
Em 1994, após quatro anos de pesquisas, condensou a vida do poeta Vinicius de Moraes no livro VINICIUS - Sem Ponto Final (Editora Saraiva).


Sinopse:
Se nem a morte conseguiu, como um livro pode ter a pretensão de esgotar a vida e a obra de Vinicius de Moraes?Tendo conhecido de perto a multiplicidade de Vinicius de Moraes, o autor procura mostrá-la em um Vinicius sendo poeta, digno e vibrante, e em um Vinicius vivendo como poeta, perseguindo a todo custo a amada única e perfeita, o amigo ideal e o parceiro mais precioso. Através das poesias literária e musical, percebemos a presença viva e marcante de Vinicius em nossas vidas e nos mais variados segmentos da cultura brasileira.

Toquinho- 40 Anos de Música:
Um dos grandes orgulhos de João Carlos é ser irmão do violonista e compositor Toquinho, tendo lançado, em 2006, pela RCS Editora, o livro Toquinho – 40 Anos de Música.


Sinopse:
Grande parte desse livro, sob o título de Toquinho - 30 anos de música, havia sido editada. Porém, era chegado o momento, pois, de se atualizar o texto anterior, e complementá-lo com os principais acontecimentos que marcaram a trajetória artística de Toquinhos no últimos 10 anos, que assinalam, em 2005, 40 anos de uma carreira pontificada pela constante evolução e por sucessivos sucessos.

ONDE COMPRAR:

Saraiva:

Submarino:


Americanas:



Confiram a entrevista!!!!!!!!



ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS PECCI:

“A paraplegia, tal como a tetraplegia, é resultante de uma lesão medular. Este tipo de lesão classifica-se como completa ou incompleta, dependendo do fato de existir ou não controle e sensibilidade abaixo de onde ocorreu a lesão medular. A paraplegia traduz-se na perda de controle e sensibilidade dos membros inferiores, impossibilitando o andar e dificultando permanecer sentado. Normalmente as lesões que resultam em paraplegia situam-se ao nível da coluna dorsal ou coluna lombar sendo que quanto mais alta for a lesão maior será a área de impacto, abrangendo o controle e sensibilidade, uma vez que a medula é afetada.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Paraplegia )

1).João, considerando o acidente como um divisor de águas, responda: Quem era João Carlos Pecci antes do acidente? Conte um pouco sobre sua infância, o que gostava de fazer, quais eram os seus sonhos, seus projetos de vida. Depois, fale quem é João Carlos Pecci, hoje, após o acidente. O que mudou? Como você enxerga a vida nesse momento?
João: Tive uma infância livre, vivida no bairro do Bom Retiro. Morava na rua Anhaia, perto da várzea, com muitos campos de futebol. Adorava jogar futebol, sempre cercado de muitos amigos. Era uma época em que os moradores de uma rua se conheciam, se visitavam, formavam uma autêntica família. Aquela rua favorecia, jogo de botão, bolinha de gude, pião, carrinho de rolimã. Esse menino me fez crescer um adulto feliz e otimista, valorizando a vida através do amor e do carinho recebido dos pais e dos amigos, apaixonado por praias e futebol, namorador e muito romântico. Fui um estudante aplicado, nunca brilhante, mas sempre esforçado. Conclui o curso de Ciências Econômicas da PUC em 1965 e logo comecei a trabalhar como Economista na Philips do Brasil. Em 1964 havia ingressado na Faculdade de Direito da USP, mas não consegui terminar o curso, impedido pela paraplegia, em 1968. Sem poder me locomover normalmente, a vida ganhou uma dimensão mais profunda, valorizando intensamente outros sentidos. Mesmo que arduamente, a paraplegia me abriu portas importantes e fundamentais: a pintura e a literatura, que fizeram de mim um homem muito mais sensível a atuante. Descobri outras facetas do amor e da compreensão das diferenças. Aprimorei minha sensualidade em momentos intensos de emoção, envolvendo um casamento constituído ao lado de uma mulher maravilhosa, que assumiu integralmente minhas limitações. Casamento consolidado pelo nascimento de uma filha, hoje com 17 anos. Enfim, continuo sendo um homem com sonhos repletos de renovações!

2) Lendo alguns depoimentos sobre a paraplegia, percebi que muitos passam por momentos difíceis no início, como a depressão. E que a presença e o amor de familiares e amigos são determinantes, para a aceitação das novas limitações e por uma reviravolta em suas vidas. Conte um pouco da sua experiência: como foi para você acordar no hospital e descobrir o que tinha lhe acontecido? Como você reagiu? O apoio da sua família e amigos.
João: A sensação de não poder mais andar é lancinante, machuca o corpo e fere a alma. E os primeiros anos são os mais difíceis, marcados por dúvidas e limitações ainda incompreensíveis. Porém, há o outro lado: a necessidade de vencer essa situação cruel despertou em mim capacidades ocultas que fortaleceram o autoconhecimento e engrandeceram a autoestima e a determinação. Por isso, jamais me senti deprimido, também porque tive sempre ao meu lado, desde o primeiro dia como paraplégico, o calor dos amigos e o amor da família. Meus pais sempre fortes e presentes, me ajudando em tudo que precisava; um irmão, acima de tudo amigo e cúmplice, garantindo-me uma retaguarda forte para que eu me recuperasse com tranquilidade. Completando essa energia humana, minha força de vontade em superar limites e a disponibilidade para o amor fizeram com que eu atingisse conquistas físicas, profissionais e sentimentais que me completam hoje como um homem capaz de traçar e cumprir meu caminho existencial.
3) Eu li, em uma reportagem, que a volta para a casa requer cuidados específicos que são essenciais: uma cama firme com colchão de espuma de borracha, a troca de posição do paciente a cada duas horas para evitar a formação de feridas, uma dieta especial. Que a casa deve ser adaptada Entre outros. Em sua opinião, qual é a maior dificuldade para um paraplégico?
João: A maior dificuldade é justamente a falta de adaptação. Nos primeiros dias de hospital, há 45 anos, a tecnologia hospitalar era muito rudimentar. Em dez dias, por falta de colchão especial, formou-se uma enorme escara na altura do cóccix que só foi eliminada por uma cirurgia plástica. Naquele tempo eu morava num sobrado, os dormitórios ficavam no piso de cima. Então, para que eu participasse mais da vida cotidiana, a parte térrea da casa foi dividida por um biombo e improvisou-se um dormitório para mim. Ganhei espaços, mas perdi em privacidade. São as trocas inevitáveis para os ajustes necessários. Depois de dez anos nessa casa, pude me transferir para outra térrea, toda adaptada para minhas condições de paraplégico. Então, passei a dormir no meu quarto, usar o meu banheiro, usufruir de uma sala para fisioterapia e de espaços largos para cadeira de rodas e locomoção com bengalas. Essas adaptações contribuíram também para que eu tivesse mais tempo para trabalhar e pude produzir mais obras e fazer várias exposições com meus quadros e escrever outros livros. Enfim, evolui também profissionalmente. Portanto, além do amor e da compreensão das pessoas, a paraplegia requer adaptações fundamentais para que se possa exercer toda aptidão para o lazer e para o trabalho.
4) Uma etapa muito importante também, é a inserção do paraplégico na sociedade. Os transportes públicos não estão preparados, as ruas cheias de buraco não ajudam, um mercado de trabalho limitado, nem um pouco receptivo, sem falar no preconceito das pessoas. Conte um pouco sobre o seu aprendizado, sobre o que enfrentou e o que tem que enfrentar até hoje.
João: Hoje a inserção é muito mais fácil do que há 40 anos, quando comecei a conviver com esses problemas. Quando resolvi expor meus quadros em praça pública (Praça da República, em São Paulo) em 1972, passei a sentir a curiosidade e até o espanto das pessoas ao me ver despojado e disponível numa cadeira de rodas. Algumas chegavam até a mandar os filhos me dar esmolas! Essas experiências me ensinaram que agir com naturalidade é a melhor forma de vencer os preconceitos. Ao longo dos anos convivi com a evolução da conscientização da sociedade sobre as condições físicas, sensuais e intelectuais das pessoas deficientes. Jamais encontrei obstáculos preconceituosos ou discriminatórios quanto ao meu desenvolvimento profissional. E sempre soube ajustar minha condição física nos momentos em que precisava ou não de ajuda. Às vezes depende muito mais da pessoa deficiente a eliminação dos preconceitos.
5) A reabilitação é um processo lento, que requer muita disciplina e força de vontade. Você faz fisioterapia até hoje? Conte um pouco do seu progresso: quais são suas restrições e o que já consegue fazer.
João: Minha lesão foi na 6ª vértebra cervical, quase sempre provoca uma tetraplegia, quando os membros superiores são também atingidos. Fiquei com sequela na mão direita, os dedos não têm força para pinçar, isto é, pegar coisas com firmeza. Mas improvisando os modos de usá-los consigo fazer quase tudo. Os braços são fortes e desenvolvidos. Sempre me considerei paraplégico, mas minha paralisia vai do peito até os pés. Recuperei parte da musculatura lateral de tronco e glúteos com muita fisioterapia, que faço até hoje. Surpreendentemente, consegui me locomover durante 37 anos com órtese (aparelho tutor bilateral longo com cinto pélvico), apoiado em duas bengalas canadenses (aquelas cujo apoio é nos braços). Andava pelas ruas e tudo. Hoje ainda dá para ficar em pé me locomovendo nas paralelas. Além dessa locomoção na vertical, sempre usei cadeira de rodas no cotidiano comum. Tenho uma casa com adaptações necessárias para maior independência física.  Posso fazer minha higiene, tomar banho, as portas são largas facilitando o acesso para todos os lugares. Trabalho e dirijo meu próprio automóvel adaptado para controle manual. Vivo a vida normalmente, saio, viajo, vou a cinema, restaurantes, shows, não com a mesma força física dos 50 anos, mas ainda com muita vitalidade e entusiasmo.

6) Vamos falar sobre atitudes positivas. Pela leitura do seu livro “Minha Profissão é Andar”, descobrimos que você enfrentou as adversidades e tornou-se um exemplo a ser seguido. Como surgiu a ideia de escrever esse livro? Qual a mensagem que queria transmitir? Sabemos que ele foi precursor no Brasil e você começou a dar palestras. Fale um pouco sobre isso.
João: Mesmo paraplégico, jamais me senti deprimido ou revoltado com a vida. Sempre cercado de muito amor, logo me vi voltado para o que me restou e não para o que perdi. E havia restado uma cabeça boa, dois braços fortes e mãos artesãs. Comecei a mexer com desenho e pintura estimulado pelo fisiatra para melhorar os dedos da mão direita. Envolvi-me com isso, sentia que podia progredir e passei a desenhar e pintar com mais afinco. Até que comecei expor meus quadros na Praça da República, em 1972. Percebia que a vida me tratava com poesia, com cores, com emoções renovadas. Que a paraplegia não era o bicho papão que pintavam. Já me locomovia até sozinho com bengalas e aparelho! Então resolvi escrever sobre tudo isso. Escrever, simplesmente, talvez para aliviar as sensações das perdas físicas e valorizar ainda mais as novas descobertas, inclusive a redescoberta da sexualidade. Para mim, tudo adquiria um valor que extrapolava a experiência vivida até então. Quando avaliava o que tinha escrito, me dava a sensação que poderia se transformar num livro, coisa em que jamais havia imaginado em minha vida:  tornar-me um escritor! E aconteceu. Depois de quase sete anos de seguidas revisões, vi com emoção o “Minha Profissão é Andar” ser editado e logo se multiplicar em vendas e elogios. Era uma época em que falar abertamente sobre deficiências consistia num enorme tabu. E eu falei, sem pieguice, com naturalidade, como se tudo fosse uma primorosa porta para minha evolução existencial. Ao longo de sete anos, enquanto evoluía minha reabilitação em todos os sentidos, ia passando para o livro todas essas experiências físicas, intelectuais, sensoriais e sexuais. Resultou disso tudo um livro maduro, abrangente e ao mesmo tempo conciso e objetivo. Passou a ser adotado nas escolas, nas universidades, em centros de reabilitação e passei a ser convidado para fazer palestras por todo o país, estimulando, inclusive, muitos estudantes a escolherem a fisioterapia como profissão, e outros deficientes a escrever seus próprios livros, desmistificando assim o enorme peso que muita gente imagina que a paraplegia causa na vida das pessoas.
7) Através do livro, que tem aceitação até hoje, você conheceu a história de outras pessoas? Tem algum episódio que gostaria de nos contar?
João: O livro me fez evoluir em todos os sentidos. Tornei-me mais disponível às pessoas, mais flexível comigo mesmo e ficou-me muito mais simples  compreender as diferenças. Tanto que a essência do amor passou a ser para mim a compreensão das diferenças. Porque conheci tantas pessoas tão diferentes de mim e tão iguais nos ideais e nos sonhos a perseguir. Mas as condições eram tão opostas! Sentia-me cada vez mais privilegiado pela vida por poder dispor de tudo que me fazia progredir no amor, no trabalho e no lazer. O carinho das pessoas, as oportunidades de trabalhar com o que gosto, as adaptações necessárias para me tornar independente. Fatores incondicionais que faltavam à maioria das pessoas que chegavam até mim pela leitura do “Minha Profissão é Andar”. Para elas, conhecer-me era como poder levantar-se de suas cadeiras e conseguir dar um passo. Impossível! Tinham a garra que eu tinha, mas faltavam-lhes as condições materiais, familiares e sociais. Mas o brilho nos olhos revelava uma tendência: se lhes dessem essas condições, elas conseguiriam. Acho que contribui um pouco para a consecução de seus sonhos. Não só eu, mas todos aqueles deficientes que escreveram livros depois de mim, mostraram suas caras nas Tvs, no teatros, nos filmes. Adquiriram posições de relevo como professores, juristas e até legisladores. Sendo protagonistas ou estimulando outros a produzirem valores culturais que provocassem na sociedade a consciência de que uma deficiência não é fator de extinção de vida. Pelo contrário, pode ser até um impulso arrebatador de transformações fundamentais para a evolução humana. Nesses últimos 20 anos, o mundo foi se tornando mais favorável para vencermos nossos limites com mais facilidade, embora haja muito ainda por conquistar, doando-nos para que a vida possa ser ainda mais leve e prazerosa.
8) Eu não vou resistir: Por onde anda o Joca? Você ainda tem contato com ele?
João: Não desconfiou? Joca é meu superego, quem me estimulava, me empurrava aos atalhos mais fáceis para ultrapassar as dificuldades. Joca continua comigo, pois, apesar de tudo que conquistei e que a vida me deu, continuo paraplégico e com os mesmos problemas que todo homem de minha idade (71) precisa enfrentar para prosseguir mantendo expectativas de um futuro melhor e mais tranquilo. E ele continua me ajudando!

9) João, você tem uma vida muito especial. Você cresceu com o Toquinho, seu irmão caçula. Você fala com muito orgulho e carinho dele. Devem ter muitas histórias. Pode revelar alguma delas? Algo engraçado? Como foi crescer com música? Tem alguma música do seu irmão que goste mais?
João: Toquinho é um irmão especial. Desde crianças sempre estivemos muito juntos, um participando das coisas do outro. Foi assim na adolescência e continua até hoje. Quando ele começou a se interessar pelo violão, eu que o levava às aulas. E acompanhei todo início da carreira dele, participando de ensaios e shows. Em meio a tudo isso, curtíamos junto a noite paulista, os bares e boates da época, “Ela, Cravo e Canela”, o “João Sebastião Bar”, a Galeria Metrópole, onde se espalhavam barzinhos de todos os tipos. Para mim também era emocionante estar perto de artistas que eram meus ídolos desde a adolescência. Eu vibrava com a evolução dele participando de shows, gravando seu primeiro disco. Enquanto pude, estive sempre muito presente em todas atividades dele. Depois que fiquei paraplégico, a vida mudou muito. Ele começou a parceria com Vinicius, e eu já não podia mais acompanhá-los, ficava de longe admirando a evolução e os sucessos que se sucediam. Toquinho sempre representou a retaguarda que todo irmão necessita nas minhas condições de paraplégico. Até hoje me ajuda em tudo que preciso e nossa amizade se consolida cada dia mais forte, independentemente da  conjunção sanguínea. Seu otimismo pela vida e seu humor contagiante fazem o cotidiano das pessoas mais leve e prazeroso. E ele transporta isso para suas canções. “Tarde em Itapoan”, “O filho que eu quero ter”, “Escravo da alegria”, “O caderno”, “Canção pra Jade” têm algo que me prende muito. Além de “Meu irmão”, inspirada em nossa relação de companheirismo, que me emociona sempre.

10) Em 2006, pela RCS Editora, você lançou o livro Toquinho – 40 Anos de Música. Como surgiu a ideia de escrever esse livro? Como foi acompanhar a carreira dele de perto e o processo de pesquisa para esse livro?

João: Eu já havia escrito “Toquinho – 30 Anos de Música”, editado pela Editora Maltese, em 1996. Passados dez anos, a RCS me estimulou a atualizar seu conteúdo e assim foi feito. Para mim, é sempre um grande prazer falar sobre Toquinho. Além de ter seguido constantemente sua trajetória pessoal e musical, as pesquisas para esses livros me fizeram conhecer ainda mais sobre sua relação com as pessoas que atuam no cenário musical e como elas valorizam o trabalho dele, constituindo-o num dos ícones da música popular brasileira, como instrumentista e como compositor.

11) Tem algum show de seu irmão que tenha lhe marcado mais? Alguma história de bastidores ou de fãs engraçada que possa revelar? 

João: O tempo não apaga o que nos arde lá dentro. Ainda me emociono muito quando o vejo no palco com tanta desenvoltura, dominando o violão como domina e encantando o público com sua simpatia e simplicidade. Mas teve um show no Anhembi, em 1984, “Sonho Dourado”, que foi um sucesso retumbante, “Aquarela” estava no auge, o público aplaudia e acompanhava os aplausos batendo com os pés no chão, faziam um barulho ensurdecedor. Uma ovação sem fim! Jamais esqueci esse momento glorioso dele.

12) Você teve a oportunidade de conviver com o grande poeta Vinicius de Moraes. Inclusive, seu livro é iniciado por uma carta escrita por ele. E na leitura, nos conta que ele lhe visitava. Presenteie-nos falando sobre ele.
João: Logo depois que iniciaram a parceria, Toquinho levou Vinicius em nossa casa para mostrar as canções que haviam feito. Eu tinha montado na garagem uma sala de fisioterapia, e ficava me locomovendo nas paralelas. E foi aí que eles se instalaram para cantar as músicas. Percebia que, enquanto cantava, Vinicius ficava reparando em mim, em tudo que eu fazia. Nem imaginava que ele admirava todo meu esforço a ponto de escrever uma crônica que foi publicada na Revista Cláudia, em 1971. Depois a usei como prefácio do “Minha Profissão é Andar”. Ao longo dos dez anos da parceria com Toquinho, encontrei-me com Vinicius várias vezes em shows, em restaurantes, em ensaios na minha casa. Às vezes trocávamos bilhetes e mandávamos recados por outras pessoas. Ele sempre gentil e carinhoso. Cheguei até a lhe dar um quadro de presente, é um abstrato com muito brilho. Disse a ele que era o retrato dele. Ele riu e me abraçou forte. Só sinto não ter pensado em escrever a biografia dele com ele vivo. Era admirável ouvi-lo contar histórias com tanto humor e inteligência.
13) Em 1994, depois de 4 anos de pesquisa, você condensou a vida do poeta Vinicius de Moraes em: “VINICIUS - Sem Ponto Final” (Editora Saraiva). O que podemos encontrar no livro? Como foi o processo de pesquisa? Tem alguma curiosidade que possa nos dizer?
João: A obra de Vinicius é sua biografia. Quem ler com profundidade suas crônicas e poesias e prestar atenção nas letras das canções vai entrar aos poucos na vida de Vinicius. No livro, procurei associar sua vida à arte que produziu. Li quase tudo dele. Além das informações que Toquinho me passou, entrevistei mulheres, parceiros, amigos, filhos, conhecidos, pesquisei matérias em rádios, jornais, TVs, centros culturais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Estive por duas vezes no Rio em locais que ele morou ou frequentou, enfim, vasculhei a vida de Vinicius tanto quanto pude. Aprendi do amor mais ainda e cresci como ser humano. Foram quatro anos grandiosos de minha vida. Um dos momentos mais marcantes, vivi na casa de Tom Jobim, no Jardim Botânico. De seu estúdio todo envidraçado, pude contemplar, ele ao piano, um Rio de Janeiro inesquecível por aqueles momentos tão encantadores. Era 1993. Um ano depois, ele morreria. Mas deixaria em minha memória esse contato tão direto e ensinador.
14) Em 1998, você escreveu um livro muito especial: “Velejando a Vida” da (Editora Saraiva), no qual conta sua trajetória em busca da paternidade. Pode falar um pouco sobre essa conquista? 

João: O “Velejando a Vida” pode ser visto até como uma continuação do “Minha Profissão é Andar”. Mostrar-me vivendo a vida naturalmente, como vivem todos os homens que podem andar com suas pernas. Conseguindo manter um casamento com uma mulher essencialmente companheira, profundamente carinhosa e determinada em ser mãe de um filho gerado por mim, paraplégico, que quando nos casamos ainda não conseguia ejacular. Mesmo assim, ela acreditava! O eixo central do livro é a busca da paternidade, conseguida por meio de uma auto-inseminação, depois de várias tentativas laboratoriais infrutíferas. Hoje Marina, nossa filha, com 17 anos, é a prova contundente de que as dificuldades só podem ser ultrapassadas com a renovação da vitalidade humana, isto é, da não desistência diante do primeiro obstáculo.

15) No meio desse turbilhão de emoções e acontecimentos em sua vida, você conheceu a pintura e hoje, é um pintor profissional. Apresente o seu trabalho: o que ele significa para você, qual o seu estilo. O que você pensa ao pintar um quadro? Qual a sua fonte de inspiração? Já fez algum curso, alguma especialização? Já teve a oportunidade de conhecer pinturas famosas? Já fez visitas aos museus renomados?
João: Não fosse a paraplegia e eu talvez jamais me interessasse pela pintura. Assim como a literatura, a pintura passou a representar para mim um amuleto protetor contra o desânimo e a improdutividade. A cada quadro, sentia-me mais forte para enfrentar a dura realidade da paralisia. Porque constatava que só as pernas estavam paralisadas. Havia um movimento constante dentro de mim, traduzido pelo talento das mãos manejando pinceis, que me tornava um criador de formas, cores e belezas. Sem sair de minha cadeira de rodas. Havia encontrado outro caminho profissional em meio a tantos descaminhos provocados pela impossibilidade de andar. Um quadro é uma espécie de liberdade e a geometria foi o atalho usado para expressá-la em minhas telas. Faço uma pintura concretista, na qual os tons das cores sugerem perspectivas e formas, encontros e relações. São linhas firmes, delicadas, e fortes para ressaltar a magnitude do movimento, essencial para a vida humana. Aprendi tudo isso por mim mesmo, diante de meu cavalete adaptado, improvisando o manejo dos pinceis. Minha escola foi o quintal de minha casa e a vontade de evoluir.
16) Do que você viu da vida, de todos os lugares que conheceu, das pessoas que compartilharam momentos com você, qual a mensagem que gostaria de deixar aqui, no blog do “Cantinho para Leitura”?

João: A transformação é a única forma para recuperar o que perdemos ao longo da vida. E a disciplina é o caminho mais curto entre a perda e a reconquista.

“Meu andar não faz pegadas no chão, mas deixa nas alturas do buscar, do apreender, do realizar”(João Carlos Pecci).

“Meu andar, agora, é renascer aquisições de existência: acrescentar-me; evoluir”(João Carlos Pecci).

João, serei eternamente grata a você, não apenas pela entrevista, ou por sempre me receber com carinho. Serei eternamente grata, principalmente, por compartilhar comigo um pedaço tão importante da sua vida que me fez olhar para a minha e refletir.

Fiquei triste por saber que Joca não existe. Mas fiquei muito mais feliz por saber que ele existe e está cada vez mais vivo dentro de você. Pois eu admiro muito esse “cara”. 

Antes eu queria ter um Joca como amigo. Agora, eu queria ter um Joca comigo, dentro de mim, como você tem.

O Cantinho torce muito por você e garante: você se engana ao pensar que não deixou pegadas no chão. Elas existem e não são poucas!!!!!


13 comentários

  1. Confesso que o que mais me chamou atenção, no final das contas, foram os quadros. Que talento ele tem para pintar. Eu malemá sei desenhar bonecos de palito, hahaha.

    Beijo,
    Pamela.

    http://odiariodoleitor.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  2. Eu adorei os quadros, mas não me interessei muito pelos livros. Não são meu estilo de leitura, nem os que contam a vida dele nem os que contam as vidas de Toquinho e Vinícius. Mas fico feliz que ele tenha tido a coragem e o suporte necessários para recomeçar, tenho certeza que muita gente acaba se entregando à depressão.

    Quando ele falou da infância me lembrei da minha, é uma pena que as crianças de hoje não tenham mais a oportunidade de brincar na rua e conhecer toda a vizinhança.

    Beijo!

    Ju
    Entre Palcos e Livros

    ResponderExcluir
  3. Oi,

    Acho tão legal, quando podemos ler um pouco mais sobre os autores das obras que lemos e gostamos, nossa ele é paraplégico, deve ser uma historia linda, amei os seus quadros, achei bem interessante.

    Mayla
    http://meulivromeutudo.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  4. Eu gostei muito de alguns livros do autor, me interessei bastante !
    Parabéns pela entrevista, nunca fiz uma mas pretendo fazer uma em breve :p
    Beijos, Carlos.

    http://blogchuvadeletras.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  5. Muito interessante essa entrevista, gostei de conhecer um pouco mais sobre ele! xD

    Abraços!
    www.umomt.com

    ResponderExcluir
  6. Oie!
    Não sabia que era irmão do Toquinho.
    Família talentosa essa, rs.
    Bj!

    http://meuhobbyliterario.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  7. Parabéns pela entrevista...=]
    Eu não conhecia o trabalho dele...
    Mas fiquei encantada com a pintura, são realmente incríveis...

    Beijos...
    http://ceciliabraz.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  8. Nossa! Quanta talento! Adorei a entrevista e descobri umas coisa que não sabia! hahah
    Adoro conhecer mais os autores e sua obras! Parabéns pelo post!
    Beijos

    ResponderExcluir
  9. Oie Cila
    Nossa, fique impressionada com os trabalhos do autor. Gostei muito das respostas dele e por todo seu trabalho.
    Beijos

    Jéssica
    www.leitorasempre.com

    ResponderExcluir
  10. Adorei as telas do autor, mas admito que a premissa dos livros não me interessou.
    Quanto a entrevista está excelente, parabéns.

    Beijos.
    Leituras da Paty

    ResponderExcluir
  11. Olá!
    Não sabia que o Toquinho tem um irmão que é escritor!
    Fiquei encantada em conhece-lo e as suas obras!
    Beijinhos

    ResponderExcluir
  12. Oii Cila :D adorei a entrevista
    Só posso dizer uma coisa: Um exemplo de vida para todos nós!
    As vezes deixamos coisas simples nos tornar pessoas amargas e ele é um exemplo de que a vida pode ser bela mesmo nas piores situações...

    Beijinhos desculpa pela demora em comentar
    http://lendocomaolly.blogspot.com

    ResponderExcluir
  13. Meu Deus, quem é esse homem? Estou profundamente feliz por ler esta entrevista numa segunda-feira pela manhã. Lindas lições de vida a cada frase. Nota-se a sabedoria adquirida ao longo dos anos, lidando e superando as dificuldades que suas limitações trouxeram. Em vários momentos notei que João não se tornou um homem digno após o acidente, como quem revê o valor da vida somente depois de algumas perdas. Ao contrário, ele manteve sua dignidade depois do acidente, usou dela para aprender a se levantar e não desistir. Isso é realmente uma grande inspiração para nós, jovens, que muitas vezes nos permitimos desanimar e sequer consideramos o que somos realmente capazes de fazer por nós mesmos e por nossa felicidade.
    Eu fiquei MUITO curiosa em saber um pouco mais sobre seu casamento. Especialmente hoje em dia, é tão tristemente comum encontrarmos relacionamentos fugazes e superficiais, mas o dele com a esposa revela uma força e uma paixão um pelo outro que foi emocionante ler. Ela o conheceu após o acidente, pelo que entendi. Puxa, posso dizer que ela encontrou um grande homem simplesmente porque seus olhos foram capazes de vê-lo além das suas limitações. É muito lindo isso!
    Eu lerei este livro (Minha Profissão é Andar) e o próximo, que ele disse ser sequência deste. Só preciso adquiri-los ainda (rs).
    Linda entrevista, Cila. Parabéns. Como sempre, suas perguntas são maravilhosas. Nos deixam conhecer os entrevistados como se deles fôssemos íntimos.
    Beijo carinhoso!

    www.myqueenside.blogspot.com

    ResponderExcluir